O pré-candidato à Presidência da República pelo PSDB, José Serra, apresentou suas propostas para mais de 2 mil secretários municipais de saúde, gestores e técnicos que participam do XXVI Congresso Nacional de Secretarias Municipais de Saúde, em Gramado (RS). Após ouvir as reivindicações do presidente do Conasems, Antônio Carlos Figueiredo Nardi, e da presidente do Conass, Beatriz Dobashi (leia os discursos na íntegra), Serra assumiu o compromisso de regulamentar a emenda constitucional 29, reduzir a mortalidade infantil, formar 250 mil auxiliares de enfermagem e examinar a proposta de plano de carreira para os trabalhadores da área.
O tucano visitou o congresso horas depois de a pré-candidata pelo PT, Dilma Rousseff, falar aos secretários. É a primeira vez que o congresso do Conasems recebe presidenciáveis. Confira os principais pontos do discurso de José Serra.
Trabalho na área da saúde
"Quem trabalha na saúde tem que ter um espírito de solidariedade extra em relação ás pessoas. É diferente de ser engenheiro, economista, é diferente de ser qualquer outra coisa. Saúde implica aquela atenção, aquela dedicação especial. É uma coisa diferente. Se não se tem isso, não se trabalha direito. Eu entupi a minha gestão no ministério de pesquisas. Pesquisa. A gente tem que saber o que está acontecendo para saber onde atuar. Vocês sabem qual era a principal reclamação na área de saúde". A falta de acolhimento. A falta de um tratamento humano. Não era a falta de leitos, remédios. Porque tudo isso aparece, mas é o segundo, o terceiro. O principal era a atenção. Nós criamos agora, quando eu estava no governo de SP, um instituto do câncer de SP. É o maior hospital, em número de leitos, que nós vamos ter no Brasil e talvez na América Latina. É um dos maiores do mundo. Sem contar o lado de pesquisas. O que eu fiz" Na constituição do hospital, nós pusemos uma especialista em humanização. Saúde mexe com as relações entre as pessoas. Saúde é gente."
Entraves da saúde
Saúde é moleza investir, por incrível que pareça. O calo na saúde é manutenção. Um hospital exige na construção o que custa por ano. Se eu equipar, é o que custa em dois anos. Saúde é custeio, basicamente. Às vezes é errado falar: investiu pouco em saúde, pouco em educação. Quer dizer, prédio é uma parte pequena. O resto é atendimento.
Financiamento
Financiamento da saúde sempre foi uma preocupação minha. Na constituinte, vocês podem ficar escandalizados, horrorizados, eu me opus a todas vinculações. Eu achava que o orçamento, cada ano, tinha que fixar prioridades. Fui eu que criei a lei de diretrizes orçamentárias e o plano plurianual. O plano plurianual correspondente a um período de governo, que então fixaria os percentuais, que iriam para cada área, de uma maneira flexível. Mas não passou. Quer dizer, o plano plurianual entrou, LDO também, mas surgiram um montão de vinculações. E a saúde ficou fora. O que aconteceu nos anos subseqüentes"A saúde virou o colchão amortecedor das crises fiscais. Tá faltando dinheiro, não pode cortar aqui, vai para a saúde, com sanha. Eu me lembro que teve colapsos, a saúde ficou sem dinheiro. Eu dei a ideia para o Jatene, na época. Eu falei: pega dinheiro do FAT emprestado, o Fundo de amparo ao trabalhador, que foi criado por mim na Constituição pra pagar o seguro desemprego e investir. E aí, a saúde pegou porque tinha gente morrendo. Quando eu fui para o Ministério, eu pensei: vou resolver esse assunto. O que nós fizemos quando fomos para o Ministério" Um truque. Quando eu entrei no ministério, a saúde já tinha parado de pagar a dívida com o fat, porque pegou um dinheirão e tinha que pagar a cada ano. Eu exigi isso do Congresso. O que fizemos" Mantivemos o dinheiro que era para pagar o FAT no nosso orçamento. Então, o orçamento da saúde aumentou. Foi um aumento substancial".
Emenda 29
Pegamos uma emenda do Carlos Mosconi. Eu não me lembro mais o quie tinha a emenda dele, mas através de um substitutivo do relator, fizemos então o projeto de vinculação de recursos da saúde. 12% dos estados, 15 % para os municípios. E da União eu não quis vincular a impostos porque eu sabia que, em algum momento, ia se mexer em impostos, em contribuições, e podia quebrar a emenda. O que eu propus? O mínimo é, em cada ano, a despesa do ano anterior, reajustada pelo crescimento da economia e pela inflação. Garantindo, portanto, um peso mínimo que é de não cair a participação no PIB. Da mesma maneira estados e municípios, 12%, imposto. Pode crescer muito a carga tributária? Mas já está tão alta que não pode crescer mais. Então, em geral, tende a acompanhar o crescimento da economia. Os municípios, a maior parte já gastava 15%. Os estados, não. Tinha estados que gastavam 3%, 4%. Teve muita resistência no congresso porque era onde tinha que aumentar mais proporcionalmente. Como fizemos a emenda? Fizemos no modelo que eu acho que deve ser tudo. Tem essa vinculação, ela é provisória. Vai valer até que se vote uma lei. Porque lei é muito melhor, a gente altera, mexe e flexibiliza. Deixamos a emenda aprovada e o prazo para a lei, 2004. O governo atual não mandou o projeto de lei. O projeto que está lá é de iniciativa dos parlamentares. E ficou rodando sete anos e meio até agora. Não se fez a regulamentação.
Regulamentação da emenda 29
Nós vamos fazer a regulamentação no próximo governo? Se eu tiver essa oportunidade, como eu espero, nós vamos fazer no começo do ano. E vamos ouvir entidades, vamos ouvir o Conselho Nacional de Saúde. Isso vai dar uma moldura. Eu estava olhando uns números na viagem. A saúde estabilizou em 3,5 do PIB. Se o PIB tivesse crescendo a 7% ao ano, numa análise, mas o fato é que, na média, o PIB não está crescendo essa loucura toda, não. Não saiu desses 3,5%. Nós temos que aumentar isso. Agora, a lei é uma boa oportunidade pra isso. Temos que ver tecnicamente como fazer. Porque nós não podemos criar uma coisa rígida, que, de repente, represente até um tiro no pé.
Saneamento
Eu acho que deve incluir saneamento na saúde, mas só aquele a fundo perdido. Ou seja, que vai para pobre mesmo. Não é que o outro, sei lá, uma Sabesp, uma empresa em São Paulo, esses são investimentos de empresas. Não tem como contabilizá-los como despesas da saúde. Agora, se eu vou fazer uma obra que vai diretamente no coração das causas da mortalidade infantil, de quem não pode pagar, é razoável.
Ativismo
Uma questão crucial na saúde foi o ativismo. Eu não sou partidário de voltar ao Brasil aquele estado que a gente tinha de 1930 a 1980. Foi muito eficiente para crescer a economia. De 1945 a 1980, nós crescemos 7% ao ano, dobrando o PIB a cada década. Mas isso é uma coisa que no mundo perdeu a vigência. O estado quebrou, as economias são mais abertas. Eu acho que o estado que deve resultar não é o estado da pasmaceira, de cruzar os braços, não fazer nada. Eu acho que tem que ter o estado que planeje e seja acima de tudo ativista. Eu defendo o ativismo estatal, governamental. O importante é saber como ativar, ativar direito. E isso foi o que eu fiz na saúde.
Recursos humanos
Se eu formar 250 mil auxiliares de enfermagem, estou melhorando a saúde no Brasil como um todo. Esse é um programa que deu certo. Foi feito e deu certo mesmo, no Brasil todo. Em são Paulo nós fizemos um programa, 100 mil técnicos em enfermagem. Nós vamos fazer um curso de treinamento para formar com diploma 300 mil técnicos de enfermagem no Brasil. V amos mesmo e o BID vai dar o dinheiro. E eu garanto que dá para fazer por mil dólares cada um. Por 300 milhões de dólares, com 300 mil assistentes, não melhora a saúde? Melhora muito. A qualidade depende basicamente do corpo de enfermagem.
Genéricos
A política dos genéricos não foi ideia minha. Eu sempre me gabei de que o meu discurso de posse eu fiz tudo o que eu disse, ou praticamente, caminhando na direção. Mas não tinha uma palavra sob re genérico. Eu não sabia o que era genérico. Eu pensava o que muita gente pensa equivocadamente no Brasil que genérico é o similar. Eu olhei o projeto de genéricos, vi o que era e começamos a luta, fazendo a lei direito, que p o teste de bioequivalência, de biodisponibilidade, de maneira que seja um clone direto. E aí começamos a batalha, inclusive junto aos médicos.
Descentralização
Quem esboçou essa questão foi o Janete, que começou a esboçar foi um ministro gaúcho que moreeu, o Albuquerque. Eu peguei a coisa ainda no começo, mas já desenhada. Materializamos. Gestão plena. Muita coisa avançou porque a saúde tem que atuar descentralizadamente. Eu acho que o governo federal não deve ter hospital. Exceto um ou outro, muito especializado, de excelência, porque o controle é muito difícil.
Loteamento político
A saúde foi politizada totalmente. Temos que despolitizar a saúde. Significa não ter políticos? Não. Significa não estar num mercado de troca-troca.
Gestão
Temos de trabalhar para que todo mundo tenha medicina de primeira classe. Vocês vão dizer: você não consegue isso em pouco tempo. Não consegue. Mas essa é a diretriz.
Complexidade
Batemos um recorde de transplantes, não tinha. Nós montamos um sistema nacional de transplantes no Brasil. E o Brasil, eu não conheço os dados atualizados, no começo da década, era o segundo do mundo depois dos EUA. Não é por causa da população, porque você tem a Índia. É porque a medicina nossa é competente nas duas pontas.
PSF
De fato, fomos nós que implantamos o PSF. A ideia não foi nossa. O Tasso Jereissati, acho que nos anos 1980, começou com os agentes de saúde. Depois, o Alceni guerra criou o equipe de Saúde da família, no governo Collor. Depois, quando nós chegamos lá, o Jatene acelerou. Tinha umas 1.500, 1.600 equipes. Nós multiplicamos por 9. Foi de fato a implantação do PSF.
Mortalidade infantil
Eu tenho orgulho de um número que é incrível. A mortalidade infantil no Nordeste, de 1997, como ano base, a 2003, caiu 31%. Foi a maior taxa de queda dos anos 1990 para cá. No caso do nordeste, baixou de 50,4% para 34,8%, em 2003. Eu tenho uma meta. A mortalidade no Brasil hoje deve estar, em média, uns 18%. Eu acho que um grande esforço novamente concentrado nessa área, nós podemos em 20015 levar para 12%. Essa seria uma meta extraordinária de conseguir. Com parcerias. Vamos pegar a Pastoral da criança, que foi importante na época. Vamos mobilizar toda a sociedade.
Investimento
Em dinheiro atual, nós investimos muito, investimos R$ 6 bilhões. Eu acho que, nós próximos anos, temos que elevar para R$ 10 bilhões. São R$ 2,5 bilhões por ano, em todo o Brasil.
Plano de carreira
Vou estar disposto a examinar. Eu não conheço o projeto, a proposta. Estou disponível para examinar, conhecer e debater para a gente encontrar um caminho que seja bom para o pessoal e para a saúde.
Fonte: Site CONASEMS