Regulamentação da Emenda Constitucional 29 e defesa do Sistema Único de Saúde (SUS) como a maior conquista da sociedade brasileira nas últimas décadas foram os principais compromissos assumidos pela pré-candidata do Partido dos Trabalhadores (PT), Dilma Rousseff, durante a exposição de propostas realizada na manhã desta quinta-feira (27/5) no 26º Congresso Nacional de Secretarias Municipais de Saúde, em Gramado (RS). Dilma falou por quase uma hora a um auditório formado por gestores municipais de todo o Brasil. A mesa foi coordenada pelo presidente do Conasems, Antônio Carlos Figueiredo Nardi, e contou com a participação da presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), Beatriz Dobashi.
 
Dilma disse que o Brasil caminha para uma era de prosperidade, que haverá a possibilidade de incluir, distribuir renda e propiciar ainda mais mobilidade social. "Isso não significa somente política de renda, significa, necessariamente, a universalização dos serviços e a sustentação dessa universalização", disse. "O Brasil não dará os passos que tem de dar, como uma economia desenvolvida nessa próxima década, se não beneficiar a população brasileira ao mesmo tempo". Segundo a pré-candidata, em alguns serviços, como esgoto e tratamento de água, o país ainda está no início do século 20. Ela disse que educação, saúde e segurança são os três temas centrais. "Nós temos que buscar agora a qualidade desse serviço de saúde. O Brasil não pode ser olhado somente do ponto de vista de sua economia. Ele tem que ser olhado do ponto de vista da saúde de sua população".
 
Direito de cidadania
Na abertura do evento, a presidente do Conass, Beatriz Dobashi, destacou os preceitos constitucionais da saúde como direito de cidadania e dever do Estado. A Lei 8080/90 de 1990 trouxe algumas considerações, arranjos e argumentos para que o SUS fosse capaz de viabilizar esse direito. No entanto, de acordo com a presidente, a lei foi retalhada, principalmente no que diz respeito à questão do financiamento. "O artigo 35, que dava regras claras para o financiamento da saúde, foi vetado à época. Nós aguardamos dez anos para fazer uma Emenda Constitucional, a de número 29, que já podia ter dado um passo importante em relação ao financiamento, mas houve, infelizmente, o entendimento que precisava de uma regulamentação constitucional", disse. "Assim, estamos a outros dez anos esperando por essa regulamentação. Isso poderia ter sido um fato importante para melhorar o subfinanciamento, contra o qual vem se lutando há tanto tempo".
 
Beatriz lembrou ainda que, em 2002, começou a ser discutido um novo pacto pela saúde, o que foi celebrado em 2006 com o compromisso entre os entes federados que conduzem o SUS: o Pacto pela Vida, o Pacto de Gestão e a Defesa do SUS como o sistema de saúde dos brasileiros. "Temos diversas iniciativas, até do governo federal, criando planos paralelos, como se o SUS não fosse o melhor plano que poderíamos ter", criticou. "Nos comprometemos em fortalecer a atenção primária de saúde como eixo norteador de todo o modelo de atenção à saúde, da organização das redes de atenção, onde seriam colocadas todas as linhas de cuidado com os pacientes, então é preciso que tenhamos estratégias concretas no fortalecimento da atenção básica para que consolidemos o SUS como direito da cidadania".
 
Solidário e tripartite
O presidente do Conasems, Antônio Carlos Figueiredo Nardi, lembrou à pré-candidata Dilma que no congresso estavam representados os 5.565 municípios do Brasil, aqueles que de fato fazem a saúde da população. "A carga maior de financiamento hoje recai aos municípios", disse.
"Precisamos de financiamento estável. Há a discussão de políticas sem a devida recomendação para que os municípios possam executá-las. Estamos falando em financiamento solidário tripartite".
 
Nardi considera que a regulamentação da Emenda Constitucional 29 deve ser a prioridade número um do próximo presidente. Também destacou a necessidade de se valorizar o trabalho de rede de atenção à saúde, que deve ser priorizado e ordenado pela atenção básica, com enfoque na produtividade, na qualificação da atenção, garantindo melhor financiamento para a média e para a alta complexidade. Outras medidas foram apontadas como necessárias, como o aumento da verba de leitos, para que as filas para exames e consultas das especialidades sejam reduzidas, além do aumento nominal do financiamento das cirurgias eletivas, para que esses procedimentos, por não acontecerem no tempo certo, gerem mais demandas e mais custos ao sistema.
 
"Temos que qualificar a gestão. Temos no governo Lula, através da equipe do ministro Temporão, um grande trabalho, mas temos que avançar, trabalhar na desprecarização dos vínculos, fazendo com que todos os municípios tenham condições de implantar cargos, carreiras e salários", disse Nardi. "Isso ajudará a preencher uma grande lacuna que temos hoje que é a fixação de pessoal. Antes, esse problema acontecia em áreas remotas, atualmente em regiões metropolitanas, em capitais, em municípios de pequeno e médio porte, em todos eles há essa dificuldade". Nardi aponta como uma questão prioritária o serviço civil obrigatório em saúde, para que os formados com recursos do Poder Público devolvam à sociedade o que receberam, servindo como forma de reduzir as mazelas vivenciadas na área da saúde. Também afirmou que é preciso ter um olhar diferenciado aos que residem nos estados do norte e do nordeste.
 
Para o presidente do Conasems, todas as novas políticas são bem-vindas, desde que venham com a garantia de financiamento, de modo que realmente sejam executadas. De acordo com ele, a entidade está comprometida em trabalhar na Câmara e no Senado pela flexibilização da Lei de Responsabilidade Fiscal do setor saúde para os municípios. "Tudo isso somente será possível se tivermos esse compromisso solidário com os estados e o Distrito Federal. Desta forma, temos a certeza de que diminuiremos as manchetes escrachadas que ainda denigrem o SUS, sistema esse que nos esforçamos de todas as maneiras para torná-lo o melhor para nossa população e que o fazemos para não deixar morrer a maior conquista social do povo brasileiro", concluiu Nardi.
 
Veja abaixo a síntese da explanação da pré-candidata Dilma Rousseff:

 
Universalização dos serviços
"A universalização dos serviços sempre foi algo atrasado no Brasil. Vejam que talvez o primeiro serviço importante a ser universalizado no país foi a saúde. Porque a energia elétrica está sendo agora, o saneamento vai demorar ainda algum tempo e a água. Interessante que essa plateia é a que conquistou o SUS, que passou a existir quando a questão social passou a ser um grande anseio da sociedade. O SUS unifica e congrega milhões de brasileiros em todos os estados. Hoje, temos a obrigação de assumir alguns compromissos com as conquistas. Quero reafirmar meus compromissos com o SUS e afirmar que ele é uma das maiores conquistas da sociedade brasileira nas últimas décadas. É o mais expressivo sistema de universalização em curso no Brasil. Essa importância foi reafirmada no governo Lula através de alguns programas, como o Saúde da Família. Ele é o eixo central, o foco básico da questão da atenção básica à saúde. A cobertura ter chegado a 97,3 milhões de brasileiros para mim é um conquista importante, que tem que ser motivada. Acho que não pode ter um modelo só. Um país com as características e as diversidades, com as desigualdades regionais, não só dos estados, mas as de dentro dos estados é impossível se querer um modelo que não tenha flexibilidade. Ele pode ser único na sua essência, mas tem de ser flexível em termos de reconhecer realidades distintas".
 
Avaliação dos serviços
"Cada um dos gestores e das gestoras municipais de saúde leva à frente essa missão, que é construir um sistema único num país continental de 190 milhões de pessoas. Acredito que Conasems foi muito feliz em lançar esse desafio de avaliação dos serviços de saúde no Brasil. Para que se possa, de fato, ter uma avaliação, é necessário ter uma platéia qualificada como essa, seja pela quantidade dos temas que vi na programação, seja pela representatividade quantitativa e qualitativa que aqui se vê. Avaliação num momento importante que se avaliam as propostas."
 
Gestão Lula
"O investimento que tivemos no Saúde da Família está expresso em alguns indicadores, como o da mortalidade infantil. Estudos mostram que um aumento de 10% na cobertura do Saúde da Família implica uma redução de 4,6% na mortalidade infantil. Acho que é importante dizer isso e importante essa consciência sobre o papel do Saúde da Família. A cobertura do SAMU chega até a 105 milhões de brasileiros. Dentro de uma visão de rede de atendimento, o papel das UPAs contempla essa linha de ação integrada dos serviços de saúde. Essa parte que tem uma interface com os postos de saúde, com a atenção e o tratamento que é dado nos hospitais na média e na alta complexidade. Até o final do ano serão instaladas 500 UPAs no país. São importantes experiências. Tem outras experiências na qualificação do serviço, como a de Pernambuco, com as policlínicas. Nossa meta é reduzir a grande reclamação, que é em relação às filas."
 
Saúde bucal
"A saúde bucal foi um dos grandes avanços. A colocamos na atenção básica, por considerar uma questão importante. Foram criados 800 centros de especialidades odontológicas. Esse balanço é o reconhecimento de que nos empenhamos no aspecto da integração da rede do SUS. Todos esses serviços vão permitir que reduzamos a sobrecarga nas policlínicas e nos hospitais, na medida em que vamos distribuir melhor os serviços."

Acesso a medicamentos
"O acesso a medicamentos é importante, não somente do ponto de vista da regulação de acesso, mas também em termos de garantir o acesso compatível com a nossa renda, primeiro distribuindo os remédios gratuitamente, como no programa Farmácia Popular e no Aqui Tem Farmácia Popular, em que é subsidiada parte do custo do medicamento. Assim como desoneramos a cesta básica, os remédios de uso permanente, contínuos e gerais temos de chegar à desoneração completa" .

Emenda 29
"Temos de um lado uma grande demanda por serviços e do outro um subfinanciamento. A Emenda Constitucional 29 deve ser regulamentada. Na marcha dos prefeitos, eu já havia assumido que é imprescindível regulamentar a EC 29 para garantir os serviços essenciais e fazer com que venhamos, de fato, a cumprir com os princípios de universalidade, integralidade e equidade do SUS. Não vim aqui fazer demagogia com vocês, sem que haja receita permanente para a adoção. Os estados, municípios e a união terão de ter, até para fazer face a todas essas exigências. Nós perdemos os R$ 40 bilhões da CPMF. A boa notícia é que nosso país mudou a situação econômica, social e fiscal. Estamos crescendo e, se continuarmos nas taxas que estamos crescendo, significa que iremos gerar, necessariamente, um aumento na arrecadação sem aumento de imposto. Isso vocês verão esse ano. Assumo compromisso, porque teremos crescimento de longo prazo. Somos um país que cresce, que distribui renda e que assegura mobilidade social. Apesar dos que dizem que temos uma fragilidade fiscal, o nosso endividamento é decrescente, não só pela dívida externa. Não devemos, nem somos  submetidos ao fundo como éramos antes. Isso permitiu que tivéssemos uma política sustentável no país. Esse compromisso com o financiamento na país pode ser assumido. Tive acesso a toda política do Mais Saúde, quando o ministro Temporão apresentou na oportunidade em que estava em questão a perda dos R$ 40 milhões da CPMF. Inclusive isso foi explicado para todos os partidos de oposição. Todos os partidos de oposição foram esclarecidos. Essa é a diferença do Brasil de hoje: um país que tem capacidade de pensar as necessidades de seu povo e atender."
 
Pessoal
"A saúde tem um problema na fixação de profissionais nas áreas que mais necessitam. Acredito que é uma boa ideia a do serviço civil de saúde. Antes de deixar o ministério do presidente Lula, assisti a uma exposição do MEC que tratava do retorno para o conjunto do país de todo o esforço do presidente do resgate das universidades públicas, que estavam todas sucateadas, combinando um novo programa que era o uso do Fies e do Prouni.
Como é que se daria o retorno desse pagamento. Uma das hipóteses levantadas naquele momento foi a medicina e a área da saúde. Olharei isso com atenção especial. É dificílimo equacionar o problema da atenção básica no Brasil se não tiver um serviço civil de saúde. Hoje mesmo está no jornal uma discussão a respeito do estado de São Paulo sobre a classificação de serviços como saúde, que o Tribunal recusou. Não adianta tipificar um percentual que seja tão elástico, que passe até pela segurança pública e pela política de alimentos. É importante o financiamento solidário tripartite, mas é importante também que tenha uma gestão solidária tripartite. Não é correto aquela forma que uma esfera da federação dizia para outra: o problema é seu. Certos problemas grandes do país somente serão equacionados quando as três esferas atuarem integradas e em conjunto".

Indústria da saúde
"Tenho esse compromisso com a área da política industrial da saúde. A importância dos insumos, dos equipamentos, enfim, todo o setor de saúde tem um volume de demandas públicas nessa área. Permite que tenhamos uma política industrial clara que podíamos chamar até de segurança de saúde, assim como temos a política energética e de segurança alimentar. Significa produzir no país o que pode e deve ser produzido no país. É de fato um compromisso que assumo. Com políticas regulatórias, de estímulo tributário e de financiamento, o Brasil conseguirá estruturar um complexo produtivo, industrial e de serviços na saúde. Uma das cadeias que mais inova no mundo é a da saúde. Ficar fora dela é ficar fora de um tremendo espaço inovador que pode mudar o perfil de nossa indústria. A área da saúde foi incluída no PAC 2 dentro do programa de infraestrutura do Brasil. Porque reconhecemos o significado da melhoria do sistema de saúde para a vida das pessoas e para o próprio desenvolvimento sustentável do nosso país e aí é interessante analisar que o PAC 2 contempla tanto as unidades 8.694 previstas nesse horizonte 2011/2014 e mais 500 UPAS nessa parceria em relação ao custeio."

Fonte: Charles Vilela
(MTB 9780)/Assessoria de Imprensa ASSEDISA/RS